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Thainá Carvalho

A Pedra e o Cinzel


O autor é mero instrumento

 

Eu, escritora, me marco em pedra. Cada palavra, cada vírgula, cada verbo escolhido me definem irremediavelmente. Assim é que sempre me deparava com uma pergunta para a qual não tinha resposta pronta. Como lidar com a flexibilidade pedida pela mudança tão rápida dos tempos e pelo próprio ato de escrever?

Obtive a tão ansiada resposta em um livrinho desbotado de sebo que reunia algumas das principais obras de Jack London. Duas delas, lidas em sequência, quebraram minhas certezas empedradas. Explico. A 1ª obra, O Chamado da Floresta (1903), narra uma sequência de acontecimentos que conduzem um pacato cão doméstico a uma vida selvagem com lobos no Alaska. A 2ª, Caninos Brancos (1906), mostra como um filhote selvagem, misto de cão e lobo, tornou-se um animal doméstico que amava incondicionalmente seu dono humano.

Ou seja, em um espaço de 3 anos, o mesmo autor apresentou pontos de vista diametralmente opostos, mas não excludentes. Ao terminar o 1º livro, nada me pareceu mais lógico e certo do que a superioridade dos instintos naturais e ancestrais presentes em todos os seres vivos. Terminei a 2ª obra em conflito flagrante, me questionando se não seria o amor mais forte do que os instintos, levando-nos a abdicar de crenças e comportamentos naturais.

Não saberia dizer a resposta a esse dilema existencial e não sei se Jack London chegou a encontrá-la. O fato é que ele, ao desconstruir minha forma de pensar e construí-la novamente pelo avesso, fez-me ver que o papel do autor não é criar certezas, definir dogmas ou determinar valores. Isso cabe ao leitor. Dessa forma, por mais assertiva que eu esteja sendo em um texto – como esse, por exemplo – há uma grande flexibilidade subjetiva no 'diálogo' individual com cada leitor, com cada mente, com cada opinião.

Tudo isso parece muito óbvio, mas garanto que não fica sempre claro para um autor que quer se colocar naquilo que escreve e se fazer entender sem ressalvas. Eu sempre sofri ao pensar que algum leitor não teria entendido exatamente a mensagem que quis passar e achava que, se isso acontecia, eu estava fazendo errado. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que não sou a mensagem gravada em pedra. Sou o cinzel.

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