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Thainá Carvalho


Esta sou eu aos três anos , com mãos interrogativas e inquisidoras, duvidando da existência de tudo.

Vinte e sete anos depois de muitas explicações e um parco conhecimento matemático, continuo desconfiada de todas as coisas, achando que a possibilidade de elas darem certo é nula. E antes que perguntem meu signo, devo dizer que sou incrédula em relação à regência dos astros sobre a minha personalidade.

Mas pode ajudar saber que, em 22 de julho, completei trinta anos. O marco foi mais a realização de um sonho do que a idade em si: lançarei meu segundo livro, ‘As coisas andam meio desalmadas’, ainda este ano, pela Editora Penalux. Pois bem, e como explicar a mim mesma, cética inabalável, a tangibilidade de um sonho?

A minha adolescência foi voltada para os livros. Talvez porque eu não fosse lá essas belezas ou tivesse uma timidez descomunal, mas a verdade é que uma noite deitada na cama lendo As Brumas de Avalon me atraía mais do que ir ao show da Banda Java no Augustus. Eventualmente, fui mudando minhas leituras para Drummond, Clarice e José Mauro de Vasconcelos. Para mim, o ser ESCRITOR era algo inalcançável, um dom genial concebido a seres excêntricos e realmente imortais. Escrevia? Escrevia. Contos e fanfics que lia para minhas amigas nos intervalos entre aulas, criando histórias de amor entre elas e seus atores preferidos.

Hoje, sou escritora. Este ano, também lancei meu primeiro livro, Síndromes, um ebook gratuito de prosa poética. Iniciei a Revista Desvario, um projeto voltado justamente à valorização de escritoras contemporâneas e da literatura independente, a fim de aproximar leitores de escritoras e desmitificar a produção literária. Sou poetisa, contista, cronista e editora. Logo, logo, vou poder colocar meu livro de poesias na estante, não somente ao lado dos imortais que idolatrei por tanto tempo, mas junto com livros de escritores que são meus amigos, acompanham meu trabalho e seguem na luta para espalhar também suas palavras.

Acho que começo a acreditar um pouco nas coisas.

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Thainá Carvalho


(Poesia: Thainá Carvalho / Declamação: Cecília Silva)


Toca lá fora uma guerra que parece dos outros uma gritaria que só me chega via wi-fi e notícias de jornais acelerados que golpeiam. Eu sei que a luta é minha também mas a normalidade na casa do vizinho e o cachorro latindo quase me convencem de que sonho com políticas mirabolantes montadas em cavalos nas avenidas. Claro, sempre posso escrever algo, publicar algo, algo em si que desfaço disfarçadamente. Nada me parece adequado. Nada é o que parece. São tantas conspirações teorias invenções tramas. Sabe, me encanta essa realidade alternativa em que tudo tem uma justificativa e aquilo que pode ser explicado pode ser talvez desfeito? Rebobinado vazado denunciado julgado? Acho que não mas a descrença é a fé dos que deixam estar e os que ficam nos impedem de passar gritando em tiros de slam que nossa palavra pode sim guerrear e se mesmo assim nada deixar de ser como é lembre-se que a luta sempre muda os corações.


Conheça a poeta e artista Cecília Silva aqui

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Thainá Carvalho

(colagem: Thainá Carvalho)



Fiquei abismada quando descobri que minha avó não sabia ler. Eu devia ter uns 10 anos na época, e ela, todos os anos do mundo. Tinha esses olhos bem apertadinhos, meio escondidos sob um tantão de rugas, e um pano que ela amarrava na cabeça, Deus sabe pra que. Passava o dia sentada no sofá, de frente pra uma televisão que só era ligada na hora da missa. No resto do tempo, cantarolava sozinha ou fumava um cachimbo comprido, Deus sabe com o que. Eu a visitava aleatoriamente, já que ela morava no andar de baixo da casa.

- Mas você não sabe ler?

E ela ria, como quem não tinha nada demais. Minha avó também não ia a médicos, almoçava diariamente carne frita com farinha (eu me babava toda com aquele caldinho gorduroso que ela me dava escondido) e criava uma quantidade pouco agradável de rolinhas em gaiolas no quintal. Mas não ler? Nem escrever? Era o cúmulo.

- Vou ensinar você a ler.

Até hoje amo essa adrenalina despertada por uma boa ideia que provavelmente vai dar errado. Só sei que subi correndo as escadas para encontrar alguns cadernos antigos de caligrafia NAQUELE INSTANTE porque se não os encontrasse ALI E AGORA minha avó iria morrer sem ler. Minha mãe, familiarizada com minhas urgências, me deu um safanão e disse que os procuraria no fim de semana. Foram três dias de desespero e angústia até que ela me entregasse os malditos cadernos.

- Dona Joana, vou te ensinar a ler e escrever hoje!

Não a chamava de vó, não sei bem o porquê. Mas lembro de passar os dedos magrinhos dela pelas sílabas va, ve, vi, vo, vu e mostrar a ela a separação da palavra ne-ta. Não a ensinei a ler em um dia, nem em dois, nem em vinte. Eu, criança, tinha muitos compromissos e menos foco nos projetos de longo prazo. Foi mais de mês até ela conseguir escrever seu primeiro nome, com minha mão sobre a dela e a letra mais feia de todas. Nesse dia, ela riu como um passarinho que saísse da gaiola.

Eventualmente, fui perdendo a paciência com a capacidade de minha avó não ir muito além de ler o próprio nome. Claro que em nenhum momento me passou pela cabeça que eu poderia ser uma péssima professora. Fui deixando de lado as aulas diárias, as visitas, a carne frita e os dentes de leite (era ela que os arrancava com um barbante e a firmeza dos braços finos). É, acabei não sendo uma neta ideal no restinho de vida que faltava à minha vó, mas gosto de fingir que a libertei pela breve palavra escrita e, nas lembranças, confundo o som de sua voz com o barulho das rolinhas voando.

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