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  • Thainá Carvalho
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  • Thainá Carvalho

Eita que é #textão em forma de conto! Mas se trata de um tema antigo cujo debate é extremamente atual: violência contra a mulher. Esse é um assunto que vale cada minuto do nosso tempo e cada palavra desse textão.

 

Dizem que girassol absorve a radiação. Será se é verdade?

Pensava e pensava. Já nem sabia há quanto tempo estava ali. O sol esfriou. A brisa virou um vento frio que deslizava entre os botões da sua camisa. Resolveu descer as mangas arregaçadas. Deveria ter trazido um casaco, mas não imaginou que passaria tanto tempo ali. Sentada, pensando. Já nem sabia mais o quê, quais interrogações fervilhavam há alguns minutos. Era tudo tão fugaz. Ele a fazia se sentir assim. Fugaz. Mas não era sempre. Às vezes só. No mais, ele a fazia rir. E era tão bom, rir das besteiras que ele falava, das maluquices que ele inventava. Ele gostava de fazê-la sorrir. O riso também era fugaz. Ah, que importava? Coisas da sua cabeça, que criava quando não tinha o que fazer. Como daquela vez em que tinha tempo livre e resolveu arrumar a gaveta de roupas dele. Estava uma bagunça. Ele não gostou, brigou, gritou com ela. Foi bem merecido. Quem mandou inventar? Não tinha nada que estar se metendo onde não devia. Agora se metia ali, naquele lugar, entre as flores. Mas elas não reclamavam. Não davam medo.

Deitou-se. Sujaria o cabelo de terra, mas não tinha problema. Ele não notava muito essas coisas, esses detalhes. Era tranquilo. Apenas uma vez ou outra ele implicava com a cor do seu batom. Não gostava quando era muito vermelho. Mas isso era às vezes. No mais, ele não brigava muito. Era bom com ela. Ele sempre sabia comprar os melhores presentes e gostava de fazer surpresas. Uma vez ele fizera um jantar lindo, assim do nada, sem motivo, só porque gostava de surpreendê-la, de mimá-la. E naquela vez que ela viu uma mesinha linda em uma vitrine? Ele nem pensou 2 vezes, entrou e comprou pra ela. Depois, pediu pra ela parar de trabalhar. Não tinha necessidade, ele dava conta, ia tomar conta dela. Ele era bom para ela.

Já dava pra ver algumas estrelas exibidas. Sorriu para si mesma. Lembrou como ele gostava de ver estrelas com ela. Passavam horas conversando na varanda apertada do prédio, olhando para o céu, contando futuros. A rede embalava e os dois dormiam abraçados. Ele a aquecia, protegia. Era uma delícia. Gostava porque ele estava o tempo todo com ela. Havia aprendido algumas coisas sobre fazer site e agora trabalhava em casa mesmo. O tempo todo. Mas ela queria também ficar só. Por isso, foi para ali. Muitas pessoas das cidades próximas iam para aquele campo, quando os girassóis estavam cheios, abertos. Tiravam fotos, faziam piqueniques. Não hoje. Era segunda-feira, estava vazio. Agora que já era tarde, só tinha ela ali. Olhava o céu. Meio rosa, meio amarelo, meio azul. Colorido. Vermelho, roxo, preto. Sem querer, uma lágrima desceu-lhe o rosto. Aguou a terra. E se cada girassol fosse uma lágrima solitária, plantada, germinada e colhida pela luz? Já pensava besteiras. Até que era bom, nesse tempo a dor no estômago passou. Isso de dor é muito relativo, depende muito. Quando ele se desculpava, ela não se importava tanto. Quando ele se arrependia e chorava também. Ela compreendia. Ora, todo mundo erra, uma, duas, três vezes. Se não perdoássemos e então? Que seria dela se não perdoasse? Ficaria só e seria culpa sua, da sua própria ruindade. Tudo era culpa dela. Esses erros, esses gritos, esses empurrões, toda essa besteira. Ele não tinha culpa, reagia apenas. Era um pouco esquentado, é verdade. Mas era um homem bom. Gostava dela. Só isso já lhe bastava.

Às vezes, ela queria mais. Uma vontade de ter vontade, de fazer o que quisesse, de cantar, de gritar. Não gritava. Tudo ficava preso na garganta, naquele susto de quem se surpreende com o que já não é novo. A verdadeira surpresa veio quando? Dois, três anos de namoro. Não lembrava exatamente quando, mas lembrava o cheiro do chão, o dormente na bochecha, o gosto de sangue. Nem tinha sido nada demais, um empurrão, coisa boba. Foi surpresa. Ela nem tinha pensado duas vezes: terminou tudo, foi embora, foi forte. Meses se passaram antes que o visse de novo em um congresso da faculdade. Já não era o mesmo, mas ainda era seu. Todo seu. As coisas então pareciam que seriam diferentes e melhores, não havia dúvida. Alugaram um apartamento baratinho, perto do campus. Fizeram um cantinho todo deles, meio bagunçado, meio sujo, completamente novo. Os dois tinham aulas pela manhã, ela trabalhava em uma lojinha à tarde e ele era garçom à noite. Encontravam-se de madrugada, aninhados na única manta que tinham. E, então, era amor. Não era medo, não era dúvida, não era briga. Era só aquela vontade um do outro. Mas aí começou de novo, e pareceu simplesmente natural, normal. Ela já tinha perdoado antes, por que não perdoar de novo? Eles estavam felizes e ainda poderiam ser mais. Ela só tinha que dar mais uma chance, se esforçar pra fazer tudo dar certo. Coragem é ficar e tentar.

Tinha que voltar para casa já. Uma hora dessa ele nem ia estar com raiva mais, só preocupado. Será? Tomara que sim. A raiva era assim: vinha e ia e vinha. No começo do namoro, aparecia do nada, mas agora ela já sabia os primeiros sinais. As respostas curtas, os músculos do braço palpitando, aquele jeito parado de olhar. Um arrepio na espinha. Ela se calava, tentava encontrar alguma desculpa para sair rápido de perto dele, tentava correr até o banheiro. Também nem adiantava, ele quebrava a porta toda e puxava seu cabelo. Ela resistia. Arranhava, empurrava, tentava até morder. Não é à toa que ele ficava pior. Ela também não ajudava. Se brincar, era mais violenta que ele. Ele ficava com marcas vermelhas no corpo e um dia até quebrou o braço quando ela bateu com a porta do quarto na cara dele. Ela chorou, pediu perdão porque não queria nunca ter feito aquilo, foi sem querer, ela o amava tanto. Amava porque sabia que ele não era assim. Aquilo tudo era só uma parte dele, como uma doença, como uma coisa que ele não conseguia controlar. Ele mesmo dizia isso quando pedia desculpas. Ele sempre se arrependia.

Ela também se arrependia, o tempo todo. Ora se arrependia por não abandoná-lo, ora se arrependia por pensar em deixá-lo. Não se abandona alguém que tem uma doença, claro. Busca-se ajuda, cura. E ela precisava tanto de ajuda, só não sabia como pedi-la, onde pedi-la. Ninguém sabia o que acontecia, nem suas amigas mais próximas. As marcas que ele deixava eram sempre fáceis de esconder, ele tinha esse cuidado. Nunca no rosto. De vez em quando ficava uma marca no pulso. Ela dizia que era do sexo. Ninguém nunca duvidou, pelo contrário, faziam piadinhas. Era melhor deixar assim, sem saberem. Ela não queria que pensassem que ele era um monstro porque ele não era. O caso deles não era como os outros, era muito diferente. Ele a amava, tratava ela tão bem depois das brigas, só faltava beijar o chão que ela pisava. Ele não era um monstro e ela não era uma vítima. Até ria da palavra 'vítima', não se aplicava a esse contexto. A verdade é que esse era mais um problema como qualquer outro que os casais tinham por aí. Eles iam sim conseguir resolver tudo entre eles. Essas coisas eram assim, levavam tempo mesmo pra melhorar. Quem disse que vida de casal é simples?

Ela estava ali naquele campo apenas fugindo das complicações. Era covarde. Precisava ir embora. Levantou-se da terra, ajeitou a saia, apertou com força a chave do carro para se certificar da realidade. Era hora de voltar. Caminhou em direção a estrada e olhou ao redor, para todos aqueles girassóis já meio murchos da noite. Eles a cercavam em um abraço sonolento, sem julgamentos. Agora, as flores já estavam viradas para outra direção, como que esperando uma coisa nova acontecer ali daquele lado. Nada novo viria, apenas outro dia como qualquer outro. E elas estariam prontas, esperando.

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  • Thainá Carvalho
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